segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Trecho - A Mensagem de Romanos, de John Stott.

Este post tem a forma literária aborrecida do que a academia chama de fichamento.


O Dr. J. I. Packer, em sua excelente obra O Evangelismo e a Soberania de Deus, aponta que, mesmo que neguem isso, a verdade é que os cristãos crêem na soberania de Deus na salvação. Dois fatos demonstram isso, ele escreve. "Em primeiro lugar, o crente agradece a Deus pela sua conversão. Ora, por que o crente age assim? Porque sabe em seu coração que Deus foi inteiramente responsável por ela. O crente não se salvou a si mesmo; Deus o salvou. 


Há um segundo modo pelo qual o crente reconhece que Deus é soberano na salvação. O crente ora pela conversão de outros... Roga a Deus para que opere neles tudo quanto for necessário para a salvação deles. Assim os nossos agradecimentos e a nossa intercessão provam que nós cremos na soberania divina. "Quando estamos de pé podemos apresentar argumentos sobre a questão; mas, postados de joelhos, todos concordamos implicitamente." 


Mesmo assim há mistérios que permanecem. E, como criaturas caídas e finitas que somos, não nos cabe o direito de exigir explicações ao nosso Criador, que é perfeito e infinito. Não obstante, ele lançou luz sobre o nosso problema de tal maneira a contradizer as principais objeções que são levantadas e a mostrar que a predestinação gera consequências bem diferentes do que se costuma supor. 


Vamos então a cinco exemplos de reflexões sobre a crença (e também a descrença) na doutrina da predestinação: 


1. Dizem que a predestinação gera arrogância, uma vez que (alega-se) os eleitos de Deus se gloriam de sua condição privilegiada. Mas o que acontece é justamente o contrário: a predestinação exclui a arrogância, pois afinal, não dá para entender como Deus pôde se compadecer de pecadores indignos como eles! Humilhados diante da cruz, eles só querem gastar o resto de suas vidas "para o louvor da sua gloriosa graça" e passar a eternidade adorando o Cordeiro que foi morto. 


2. Dizem que a predestinação produz incerteza e que cria nas pessoas uma ansiedade neurótica quanto a serem ou não predestinadas e salvas. Mas não é bem assim. Quando se trata de incrédulos, eles nem se preocupam com a sua salvação — a não ser que, o Espírito Santo os convença do pecado, como um prelúdio para a sua conversão. Mas, se são crentes, mesmo que estejam passando por um período de dúvida, eles sabem que no final a sua única certeza consiste na eterna vontade predestinadora de Deus. Não há nada que proporcione mais segurança e conforto do que isso. Como escreveu Lutero ao comentar o versículo 28, a predestinação "é uma coisa maravilhosamente doce para quem tem o Espírito". 


3. Dizem que a predestinação leva à apatia. Afinal, se a salvação depende inteiramente de Deus e não de nós, argumentam, então toda responsabilidade humana diante de Deus perde a razão de ser. Uma vez mais, isso não é verdade. A Escritura, ao enfatizar a soberania de Deus, deixa muito claro que isso não diminui em nada a nossa responsabilidade. Pelo contrário, as duas estão lado a lado em uma antinomia, que é uma aparente contradição entre duas verdades. Diferentemente de um paradoxo, uma antinomia não é deliberadamente produzida; ela nos é imposta pelos próprios fatos... Nós não a inventamos e não conseguimos explicá-la. Não há como nos livrar dela, a não ser que falsifiquemos os próprios fatos que nos levaram a ela". Um bom exemplo se encontra no ensino de Jesus quando declarou que "ninguém pode vir a mim, se o Pai não o atrair" e que "vocês não querem vir a mim para terem vida". Por que as pessoas não vão a Jesus? Será porque não podem? Ou é porque não querem? A única resposta compatível com o próprio ensino de Jesus é: "Pelas duas razões, embora não consigamos conciliá-las." 


4. Dizem que a predestinação produz complacência e gera antinomianos. Afinal, se Deus nos predestinou para a salvação eterna, por que não podemos viver como nos agrada, sem restrições morais, e desafiar a lei divina? Paulo já respondeu esta questão no capítulo 6. Aqueles que Deus escolheu e chamou, ele os uniu com Cristo em sua morte e ressurreição. E agora, mortos para o pecado, eles renasceram para viver para Deus. Paulo escreve também em outro verso que "Deus nos escolheu nele antes da criação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis em sua presença". Ou melhor, ele nos predestinou para sermos conformes à imagem de seu Filho (29). 


5. Dizem que a predestinação deixa as pessoas bitoladas, pois os eleitos de Deus passam a viver voltados apenas para si mesmos. Mas o que acontece é o contrário. Deus chamou um único homem, Abraão, e sua família apenas, não para que somente eles fossem abençoados, mas para que através deles todas as famílias da terra pudessem ser abençoadas. Semelhantemente, a razão pela qual Deus escolheu seu Servo, a figura simbólica de Isaías que vemos cumprida parcialmente em Israel, mas especialmente em Cristo e em seu povo, não foi apenas para glorificar Israel, mas para trazer luz e justiça às nações. Na verdade, estas promessas serviram de grande estímulo para Paulo (como deveriam ser também para nós) quando ele, num ato de grande ousadia, decidiu ampliar sua visão evangelística para alcançar os gentios. Assim, Deus fez de nós seu "povo exclusivo", não para nos tornarmos seus favoritos, mas para que fôssemos suas testemunhas, "para anunciar as grandezas daquele que os chamou das trevas para a sua maravilhosa luz". 


Portanto, a doutrina da predestinação divina promove humildade, não arrogância; segurança e não apreensão; responsabilidade e não apatia; santidade e não complacência; e por último, missão, não privilégio. Isso não significa que não existam problemas, mas é uma indicação de que estes seriam mais de ordem intelectual do que pastoral. E o ponto que Paulo quer enfatizar no versículo 29 é, com toda certeza, pastoral. Tem a ver com dois propósitos práticos da predestinação de Deus. O primeiro é que nós devemos ser conformes [viver de conformidade com] à imagem de seu Filho. Ou, dito da forma mais simples possível, o eterno propósito de Deus para seu povo é que nos tornemos como Jesus. 


O processo de transformação começa aqui e agora, em nosso caráter e conduta, por meio da obra do Espírito Santo, mas só será completado e aperfeiçoado quando Cristo vier e nós o virmos, e quando nossos corpos se tornarem como o corpo de sua glória. O segundo propósito da predestinação de Deus é que, como resultado de nos tornarmos conformes à imagem de Cristo, ele passe a ser o primogênito entre muitos irmãos, desfrutando da comunhão da família como também da prerrogativa de ser o primogênito.