quinta-feira, 30 de julho de 2009

O Vascaíno Metódico

Ataulfo era mais metódico que coroinha novo na paróquia, e quando decidiu tomar a decisão que mudaria para sempre sua vida, não agiu de forma diferente: organizou lista de compras, checou a previsão do tempo, o movimento das marés, fez mapa astral e o zizit a quatro.
Foi à boutique masculina mais careira da cidade e comprou um terno elegante, de corte meio antiquado, queria parecer sério, afinal seria uma ocasião solene e não queria parecer um desses veados que lotam a orla de Ipanema.
Fez a barba meticulosamente, olhou o relógio e ligou a televisão, o juiz tinha apitado o início de jogo, já fazia cinco segundos e o homem lamentou o atraso, perdera tempo demais em um pelo encravado perto do nariz. Terminado o jogo, nenhuma surpresa, mais uma vez seu vasco da gama era derrotado por um time que tinha menos torcida que campeonato de xadrez em casa de repouso. Pensou consigo mesmo que a vida andava monótona, mas a decisão que tomara mudaria pra sempre o curso da sua vida solitária cheia de pessoas inúteis, já estava quase tudo pronto, era domingo e ele estava ansioso para o grande dia.
O homem tinha uma vida boa, um apartamento legal, pessoas que o amavam a sua volta, seu time era bem ruim, mas o emprego até que era bom, a filha mais velha estava grávida de oito meses e ele seria avô pela primeira vez, a mulher estava radiante, mas Ataulfo tinha sempre aquela expressão permanente de frango defumado embalado a vácuo, não havia o que o fizesse contente, procurava em cada momento alguma fração de infelicidade que pudesse alimentar um não sei o que dentro dele, ainda quando criança, o pai deu a ele uma camisa do flamengo e o infeliz por opção decidiu virar vascaíno.
Ataulfo: um babaca qualquer que não satisfeito em ser mais um babaca, quis tentar a sorte como mártir. Metódico porém esquecido, não providenciou a tempo um ideal, e virou assassino da esposa, dos filhos e de dois ou três amigos que o amavam, em cada uma dessas pessoas, matou alguma coisa que nunca voltaria a viver, embora elas não soubessem dizer o que. Quando pulou do décimo quinto andar não ganhou nem uma notinha no tribuna de copacabana. Não sangrara muito e poucos conseguiam diferenciar seu cádaver que há tão pouco tempo era corpo, de um mendigo dormindo na calçada, tinha caído engraçado, meio que numa posição fetal, os passantes apenas desviavam e seguiam com suas vidas.